O biólogo Rupert Sheldrake elaborou uma teoria designada Ressonância Mórfica. De acordo com esta teoria, sempre que um indivíduo de uma espécie aprende ou descobre um novo procedimento ou atitude, isso repercute-se no campo ordenador de toda a espécie. Se esse procedimento ou atitude for repetida por muito tempo, tal imporá uma ressonância mórfica que influenciará todos os indivíduos da mesma espécie. Vejamos o seguinte exemplo: quando o centésimo macaco adoptou a prática de lavar as raízes antes de as comer, os macacos isolados de uma ilha vizinha começaram a ter a mesma prática.
sábado, 17 de dezembro de 2016
quinta-feira, 24 de novembro de 2016
ÍTACA
ÍTACA
de Constantino Kavafis (1863-1933)
Quando saíres a caminho de Ítaca,
faz votos para que seja longo o caminho,
cheio de aventuras, cheio de conhecimentos.
Os Lestrígones e os Ciclopes,
o zangado Poséidon não temas,
coisas assim no teu caminho não acharás nunca,
se o teu pensamento permanecer elevado, se emoção
requintada o teu espírito e o teu corpo tocar.
Os Lestrígones e os Ciclopes,
o selvagem Poséidon não encontrarás,
se com eles não carregares na tua alma,
se a tua alma não os colocar à tua frente.
Faz votos para que seja longo o caminho.
Para que sejam muitas as manhãs de verão
nas quais com que contentamento, com que alegria
entrarás em portos vistos pela primeira vez;
para que páres em feitorias fenícias,
e para que adquiras as boas compras
coisas de nácar e coral, de âmbar e de ébano,
e essências de prazer de qualquer espécie,
as mais abundantes que puderes;
para que vás a muitas cidades egípcias,
para que aprendas e aprendas com os letrados.
Deves ter sempre Ítaca na tua mente.
A chegada ali é o teu destino.
Mas não apresses em nada a tua viagem.
É melhor durar muitos anos;
e já velho fundeares na ilha,
rico do que ganhaste no caminho,
sem esperares que te dê Ítaca riquezas.
Ítaca deu-te a bela viagem.
Sem Ítaca não terias saído ao caminho.
Agora, já nada tem para te dar.
E se um tanto pobre a encontrares, Ítaca não te enganou.
Sábio como te tornaste, com tanta experiência,
já compreenderás o que significam Ítacas.
Constantino Kavafis (1863-1933)
O Quarteto de
Alexandria - trad. José Paulo Paz.
quinta-feira, 17 de novembro de 2016
Como pode o problema ser a solução?
"A formulação de um problema é muitas vezes mais importante que a sua solução, a qual constitui apenas matéria de matemática ou de habilidade experimental. Propor novas questões, admitir novas possibilidades, encarar velhos problemas sob novos ângulos, isso requer imaginação criadora e assinala reais avanços na ciência"
Albert Einstein, A Evolução da Física
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segunda-feira, 14 de novembro de 2016
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Opinião e conhecimento.
“Se não sabemos em que consiste o conhecimento, talvez não saibamos qual das nossas opiniões é conhecimento. Um ponto de vista não é conhecimento apenas por ser opinião de alguém. Nem todas as opiniões pessoais profundas são conhecimento; e ser-se culturalmente respeitado não é garantia da opinião de alguém ser conhecimento. Nem uma opinião é conhecimento apenas porque queremos que seja ou porque acreditamos ou afirmamos que é. Nem todos os pontos de vista são especialmente conhecíveis. Que garantia temos de o nosso ponto de vista pessoal ser bom nesse aspecto?”
Stephen Hetherington, Realidade. Conhecimento. Filosofia. Uma introdução à metafísica e à epistemologia, Piaget, cap. IX, p. 135.
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sexta-feira, 30 de setembro de 2016
segunda-feira, 26 de setembro de 2016
quarta-feira, 7 de setembro de 2016
Ritos de Servidão
A recente proposta do ministro da Ciência e Ensino Superior, Manuel Heitor, de envolver as instituições apoiadas pela FCT no acolhimento dos novos estudantes universitários, constitui mais uma etapa na sua luta, louvável e persistente, contra as praxes. Trata-se de não dar tréguas ao achincalhar da ideia de Escola iluminista, organizada em torno dos valores da autonomia individual e da cidadania democrática, perpetrado pelas praxes. Face a estas, o registo corrente de quase todos os diferentes atores da vida académica (docentes, discentes, pais e variadíssimas associações) é o de uma condenação declaratória, mas sem consequências. Como quem rejeita um mau odor, depressa dele se afastando. Parece-me um erro grave, pois as atuais praxes não constituem uma regressão às práticas "académicas" do Antigo Regime, não reproduzem os ritos de casta de uma sociedade estratificada em ordens e estamentos. As praxes de hoje preparam um futuro de "servidão voluntária". Elas estão em linha direta com a degradação do ambiente cultural e psicológico de muitas escolas secundárias, transformadas em lugares ruidosos, onde a "indisciplina" é um nome pobre para designar a lenta erosão das condições de possibilidade para um ensino que não seja uma tóxica caricatura. De Verney a Sérgio, constituiu-se um projeto de Escola como preparação para a Cidade. Para cada um aprender e defender os seus direitos e deveres, pois não existe cidadania sem o respeito pelo espaço de proteção e dignidade que deve existir entre cada ser humano e o seu semelhante. As praxes dobram as almas para um futuro de abuso, prepotência, ódio à inteligência, amálgama violenta de identidades temerosas. Não são um recuo. São uma antecipação dos novos tribalismos para onde, distraidamente, nos estamos a deixar empurrar.
Viriato Soromenho-Marques in Diário de Notícias, 7-9-2016
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segunda-feira, 5 de setembro de 2016
Somos livres?
"[...] Os homens enganam-se quando se julgam livres, e esta opinião consiste apenas em que eles têm consciência das suas acções e são ignorantes das causas pelas quais são determinados. O que constitui, portanto, a ideia da sua liberdade é que eles não conhecem nenhuma causa das suas acções. Com efeito, quando dizem que as acções humanas dependem da vontade, dizem meras palavras das quais não têm nenhuma ideia."
Baruch de Espinosa, Ética, II, Prop. XXXV, Lisboa, Relógio d'Água, 1992
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quarta-feira, 31 de agosto de 2016
O Processo Multidimensional da Hominização
“Posto que o homem não
se pode explicar unicamente a partir do cérebro do sapiens, mas que este último é o resultado de um processo de
hominização muito longo e complexo, podia surgir a tentação de regressar à
base, isto é, aos pés do primata que desceu das árvores para caminhar no solo.
O hominídeo começa por
se distinguir do chimpanzé não pelo peso do cérebro, nem provavelmente pelas
suas aptidões intelectuais, mas sim pela locomoção bípede e pela postura
vertical. Daí em diante, a hominização não deixará de caminhar sobre os pés
[…]. A postura erecta é o elemento decisivo que vai libertar a mão de todas as
obrigações locomotoras. Não nos esqueçamos de erguer o polegar neste ponto: a
oponência do polegar, aumentado a força e a precisão da preensão, vai fazer da
mão um instrumento polivalente. De repente, o bipedismo abre a possibilidade da
evolução que conduz ao sapiens: a postura erecta liberta a mão, a mão
liberta o maxilar, a verticalização e a libertação do maxilar libertam a caixa
craniana das restrições mecânicas que anteriormente pesavam sobre ela, e esta
última torna-se capaz de se alargar, em benefício de um «locatário» mais amplo.
Mas um esquema destes
(correcção anatómica → desenvolvimento tecnológico → libertação craniana) não
poderia ser casual, nem linear. Só pode ser a resultante da intervenção de
agentes de toda a ordem, que vão entrar em interacção.
De facto, este esquema
pressupõe mutações genéticas, que realizam as transformações anatómicas e o
aumento do tamanho do cérebro; uma «selecção» do bipedismo por um meio natural
adequado, que já não é a floresta mas sim a savana; um novo tipo de vida que,
fazendo deste animal simultaneamente presa e predador, desenvolve uma
dialéctica pé-mão-cérebro, aptidões cerebrais que até então não tinham sido
sistematicamente exploradas pelo chimpanzé, acarreta a utilização de armas
defensivas e ofensivas e a construção de abrigos, iniciando, portanto, o
desenvolvimento técnico no seio de uma nova praxis […].
E, a partir de então,
serão as múltiplas inter-relações, interacções, interferências, entre os
factores genéticos, ecológicos, praxistas (a caça), cerebrais, sociais e depois
culturais que vão permitir conceber o processo multidimensional da hominização,
o qual vai finalmente levar ao aparecimento do homo sapiens.
Isto já nos indica que
a hominização não poderia ser concebida unicamente como uma evolução biológica,
nem como uma evolução espiritual, nem como uma evolução sociocultural, mas sim
como uma morfogénese complexa e multidimensional resultante de interferências
genéticas, ecológicas, cerebrais, sociais e culturais […].
Nós não privilegiaremos
o traço anatómico que faz que a hominização caminha somente com os pés; nem
privilegiaremos o traço psicológico que faz que a hominização caminha somente
com a cabeça; nem privilegiaremos o traço genético que faz que o hominídeo só salte
de mutante em mutante; nem privilegiaremos o traço ecológico que só faz avançar
a savana para o hominídeo e o hominídeo para a savana; nem privilegiaremos o
traço sociológico que só põe em movimento uma dinâmica social […]. Todos estes
traços são essenciais, mas são sobretudo, no que diz respeito a esta evolução,
essenciais uns aos outros.”
Edgar Morin (s/d), O Paradigma Perdido: A Natureza Humana,
Mem Martins, Publicações Europa-América, pp. 54-56.
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terça-feira, 30 de agosto de 2016
Que quimera é o homem?
“Que quimera é o homem?
Que novidade, que monstro, que caos, que sujeito de contradição, que prodígio!
Juiz de todas as coisas, verme imbecil; depositário da verdade, cloaca de
incerteza e de erro; glória e nojo do universo. Quem deslindará esta
embrulhada?”
Pascal
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segunda-feira, 29 de agosto de 2016
O Homem é uma incógnita para si próprio.
“Todos sabemos que
somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos
hominídeos, do género homo, da
espécie sapiens, que o nosso corpo é
uma máquina com trinta biliões de células, controlada e procriada por um
sistema genético que se constituiu no decurso de uma longa evolução de 2 a 3
biliões de anos, que o cérebro com que nós pensamos, a boca com que falamos, a
mão com que escrevemos são órgãos biológicos, mas este conhecimento é tão
importante como o que nos informa que o nosso organismo é constituído por
combinações de carbono, de hidrogénio, de oxigénio e de azoto.”
Edgar Morin (s/d), O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, Mem Martins,
Publicações Europa-América, p. 15
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quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Mãe: um contributo para a sua compreensão.
A mãe não é a única figura de
protecção. Hoje considera-se que não existe uma predisposição biológica
específica de vinculação com a mãe biológica. Se nos animais inferiores o
comportamento maternal é determinado por mecanismos hormonais, nos animais
superiores as aprendizagens anteriores têm um papel importante na manifestação
de comportamentos adequados relativamente às crias, como o provam as
experiências de Harlow com primatas. Além disso, a injecção de prolactina na
hipófise de ratos machos, desencadeou neles comportamentos característicos nas
fêmeas.
No ser humano, conhecem-se alguns
processos hormonais que indicam algumas expressões do comportamento maternal. A
prolactina, segregada pela hipófise, estimula a produção de leite pelas
glândulas mamárias. A ocitocina, produzida pelo hipotálamo e libertada pela
hipófise, é responsável pelas contracções uterinas e pela libertação do leite.
O estrogénio e a progesterona são responsáveis pelo aumento das glândulas
mamárias e pela inibição, durante a gravidez, da libertação de prolactina.
Contudo, o comportamento maternal está marcado por factores sociais e
culturais.
O tema em análise está orientado
para dois tópicos intimamente ligados: a figura materna e as relações de
vinculação do bebé à mãe. Uma das questões que gera alguma controvérsia é o
facto de entender o conceito de mãe numa perspectiva biológica, a designada mãe
biológica, com a qual o bebé estabelece uma vinculação também ela com
características biológicas. Estudos entretanto desenvolvidos mostram que o bebé
estabelece laços de vinculação com a pessoa mais próxima e permanente que cuida
preferencialmente dele, que responde de forma mais adequada às suas
necessidades.
Se bem que algumas competências
exigidas a uma mãe para criar e educar uma criança se relacionem com a
biologia, a maior parte delas são desenvolvidas por aprendizagem no seio social.
Portanto, em termos psicoafectivos, mãe é todo e qualquer adulto significativo
que dispõe de tempo para dedicar à criança, proporcionando-lhe experiências
positivas e estimulantes e dispensando-lhe atenção e afecto. Há agentes
maternantes, como as mães de substituição, o pai, outros familiares e outros
elementos sociais que desempenham esse papel, funcionando como figuras de
vinculação.
Quanto à relação entre vinculação
e desenvolvimento social e emocional, pode dizer-se que a vinculação dos bebés,
tanto humanos como primatas, em relação às mães pode ser vivida de modo
gratificante, ou penoso. Experiências com primatas e observações de seres
humanos levaram ao estabelecimento de uma relação directa entre o
desenvolvimento social e emocional e a vinculação, designadamente a nível sexual
e maternal. A relação mãe-filho deve estar baseada em sentimentos geradores de
confiança, para que os bebés se sintam aptos a estabelecer novos e benéficos
contactos sociais.
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quarta-feira, 24 de agosto de 2016
A matemática acaba onde começa a filosofia
A matemática acaba onde começa a filosofia
Helena Oliveira
Quem precisa de filósofos que pensem se à nossa volta se multiplicam "pensadores"e "opinantes", que oferecem a sua sabedoria a um ritmo vertiginoso? Como serão os líderes e decisores do amanhã que estão a crescer com o telemóvel debaixo da almofada? Das grandes empresas, como a Google, às universidades, como Harvard, há notícias animadoras: a filosofia está de volta, bem como as humanidades em geral depois de anos em que tudo o que contava era tecnologia e matemática. Temos mesmo de voltar a aprender a pensar na era da técnica.
Na década de 80 do século passado, a poderosa AT&T sofria uma enorme crise de identidade que poderia ter dado cabo da sua reputação e levado o seu fundador, Alexander Graham Bell, o inventor do telégrafo falante, vulgo, telefone, a dar muitas voltas na tumba. Como seria de esperar, e perante as dúvidas sobre o seu futuro, a empresa voltar-se-ia para os consultores de gestão – espécime em franca expansão à época – na tentativa de obter a resposta que poderia ditar o seu futuro: entrar ou não entrar no mercado emergente dos telefones celulares.
Utilizando os habituais modelos preditivos matemáticos, os consultores chegariam à conclusão que os telefones móveis serviriam apenas um nicho de mercado e não um em que valesse a pena investir tempo e recursos. Assim, e tal como tinha acontecido com a Digital Equipment Corporation nos anos 60 que, erradamente, tinha também previsto que nunca existiria uma forte procura por computadores pessoais, a AT&T faria um enorme erro de cálculo no que respeita a uma das mais importantes inovações tecnológicas e comerciais dos nossos tempos.
Ao confiar exclusivamente na gloriosa exatidão das ciências matemáticas – indispensáveis, sem dúvida, para a construção de um telefone – a gigantesca empresa de telecomunicações esquecer-se-ia do mais fundamental: o que significaria realmente ter um telefone móvel e por que motivo alguém daria dinheiro para o adquirir.
Esta história é contada por Ryan Seltzer, ex-consultor de gestão, que deixou o negócio da consultoria num banco em Boston (antes trabalhara na Casa Branca) - para fundar uma empresa de filosofia – a Strategy of Mind – que ajuda agora muitas outras congéneres a responder e a resolver alguns dos mais complexos desafios de gestão, nomeadamente aqueles que começam com a mais básica das questões: o "como".
Serve esta introdução para falar da importância da filosofia – ou, mais especificamente, da sua aparente inutilidade – nos tempos que correm, muito graças à crescente obsessão pelas ciências exatas – nomeadamente as que cabem no famoso acrónimo STEM – para ciências, tecnologias, engenharias e matemáticas ou "aquilo que está a dar", mas não só.
Sim, é certo que a relevância social das denominadas ciências humanas – sim, pasme-se, também são ciências – deambula perdida nas ruas da amargura, que o seu lugar institucional é mais do que desvalorizado e a sua função pedagógica crescentemente posta em causa. Sobre esta crise que paira sobre todas as áreas do saber que não prestam vassalagem à exatidão, escreve Manuel J. do Carmo Ferreira, Professor Catedrático de Filosofia da Universidade de Lisboa (aposentado),na revista Gaudium Sciendi, da Universidade Católica Portuguesa: "irrelevância como saber, ineficácia como intervenção, desfasamento em relação aos avanços em outras áreas do conhecimento, são os traços maiores de uma prolongada crise de legitimação das Humanidades, a que se vem juntar a insegurança dos que as cultivam quanto à natureza e títulos de afirmação do seu campo disciplinar".
Mas se a prosa sobre a crise das humanidades daria pano para muitas mangas, centremo-nos apenas na Filosofia, cujo lugar na sociedade contemporânea sofre de uma enorme ambiguidade: se, por um lado, existe um desinvestimento claro no seu ensino e aplicação – quem quer trocar um filho proficiente em tecnologia por um que se perca nessa coisa que não serve para nada chamada filosofia? – por outro, e em particular no mundo dos negócios, a filosofia parece estar a transformar-se num mantra repetido por muitos no sentido de que pode ajudar ao tão almejado sucesso, aquela palavrinha que todos usamos sem nunca pensarmos no seu verdadeiro significado.
Apesar de, na maioria das vezes, não aparecer em estado "puro", mas antes transvestida em modas que acabam por ser efémeras, um tonzinho filosófico fica sempre bem, principalmente na poderosa indústria da liderança, que à falta de novas ideias, vai embarcando na onda do coaching, seguida pela vaga do mindfulness – que vai de vento em popa, a propósito – e de outras que tais, "perfeitas" para se lidar com a também chamada era da complexidade e nela triunfar, é claro.
Ora, se é complexo, é filosófico e mesmo que se atropelem definições, conceitos e práticas, se juntem alhos com bugalhos, retirados de receitas milenares chinesas, com pozinhos pós-modernos de inteligência emocional, temperados ainda - e porque as especiarias, seja qual for a sua origem, aguçam o espírito - com umas técnicas de relaxação indianas – a filosofia parece estar, em muitos casos, a ser usada como uma espécie de cozinha de fusão. E que vende, a propósito.
Mas e por outro lado, esta antiga senhora faz lembrar também aquelas tias velhas e chatas que somos obrigados a convidar para as grandes celebrações: tem um lugar à mesa, mas ninguém lhe dá a devida atenção ou, pior ainda, colocamo-la no lugar mais afastado do centro, para que não sejamos contagiados com o cheiro a bafio que dela emana.
Existe ainda uma terceira opção: a tia é velha e chata, mas também é rica e, enquanto herdeiros, podemos sempre descobrir um camafeu, feio, mas valioso, guardado num velho baú que, devidamente vestido com novas roupagens, poderá valer uma boa maquia num qualquer novo mercado zen, devidamente comercializado por um bom leadership coach e ser tema de workshops moderníssimos que tão bem ficam nos nossos currículos.
Tudo isto é mais plausível de acontecer do que manifestarmos a convicção de que o mundo não precisa apenas de tecnologias, algoritmos, folhas de excel, estatísticas e afins, mas também de pessoas que saibam pensar de forma crítica, que façam as perguntas certas, que questionem o que não parece passível de ser questionado e que arrisquem em novas teorias e formas de compreender esta época que, tal como todas as outras, não deixa de ter "food for thought", muito antes pelo contrário.
Basta pensarmos em três ou quatro questões bem "modernas" e podemos logo começar pela que dá o mote a este texto. Têm as humanidades um lugar legítimo num mundo em que a ciência e a tecnologia parecem reinar? Será que a inteligência artificial irá comprometer a nossa moralidade? E se a neurociência vier a colocar em causa o nosso livre arbítrio? Deverão as evidências das alterações climáticas alterar a forma como vivemos? Habituar-nos-emos a viver em clima de medo face ao fundamentalismo crescente? Será possível que o extremismo de direita, em franco crescimento na Europa, possa dar origem a um novo holocausto? Deixaremos de raciocinar num mundo em que existem apps que dizem o que devemos comer, o que devemos vestir, quantas horas devemos dormir e por aí adiante?
Convencermo-nos desta aparente lógica da batata não é, de todo, fácil. Para que serve a epistemologia, a ética ou a filosofia moral, a filosofia política ou a ontologia, senão como palavrões que nem merece a pena googlar? E qual a importância de termos tempo para pensar e questionar, quando vivemos, em continuum, rodeados de tecnologias que nos satisfazem os desejos mais imediatos, nos dão o poder do conhecimento total, que nunca nos deixam sozinhos com os nossos botões e que não nos permitem ter tempos de ociosidade, a pré-condição que iria dar origem aos primeiros pensamentos filosóficos? E, mais ainda: se a filosofia, enquanto disciplina ou prática, deveria responder às inúmeras novas e complexas questões que se colocam à sociedade contemporânea, não foi o seu lugar usurpado pelos incontáveis "opinantes", "comentadores" e "cronistas", em conjunto com os milhares de milhões de pessoas que passam a vida a dissecar a nossa realidade e a emitir juízos sobre ela? Serve a filosofia para alguma coisa no século XXI?
Em muitas nações ditas desenvolvidas a ideia vigente é que não se deve apostar ou investir nesta que já foi considerada como "o saber mais abrangente". Mas também existem alguns ventos contrários que pretendem desencalhar este velho "amor pelo saber". E que estão a empurrar, ainda que lentamente, o universo académico, por um lado, e o da liderança, empresarial mas não só, por outro.
Para quê usar a cabeça se temos computadores?
Em 2014, e já no rescaldo da crise financeira de 2008, o presidente da Irlanda, Michael Higgins, lançou a "Iniciativa de Ética" com o objetivo de desenvolver, a nível nacional, um debate sobre os principais valores que deveriam reger a sociedade irlandesa na altura. A ideia, várias vezes repetida em discursos presidenciais, era a de que se o povo realmente prezava a democracia, deveria evoluir para uma cidadania de pensamento independente e ativo, sendo que recuperar a importância do ensino da filosofia nas escolas constituiria um dos mais preciosos meios para atingir esse fim. Para Higgins e numa interpretação mais ou menos livre das suas ideias, a filosofia seria o mais importante antídoto contra o pensamento de grupo, encarneirado, e o melhor ingrediente para colocar um fim no enjoativo consenso que há muito estava a limitar o livre pensamento.
Um ano antes, e logo ali ao lado, o Reino Unido iniciaria um estudo comparado, em 48 escolas do 1º ciclo, com a duração de um ano, no qual 1500 crianças entre os 6 e os 10 anos receberiam aulas de filosofia e outras 1500 não. O estudo, conduzido pela Education Endowment Foundation (EEF), uma organização sem fins lucrativos que visa estreitar o fosso entre os rendimentos familiares (baixos) e o aproveitamento escolar, pretendia testar a eficácia das premissas filosóficas através de um "ensaio clínico aleatório", exatamente como os que são feitos com os fármacos com potencial de comercialização. Assim, 22 escolas funcionaram como grupo de controlo, enquanto as restantes 26 passaram a ter uma aula de filosofia por semana com a duração de quarenta minutos, no que é denominado como P4C (Philosophy for Children) No total, mais de 3 mil miúdos estiveram envolvidos na experiência e os resultados foram bem além do esperado.
O programa, da responsabilidade da Society for the Advancement of Philosofical Enquiry and Refletion (SAPERE), não tem como objetivo concentrar-se no estudo de textos de Platão ou Kant mas, através da leitura de histórias, poemas ou pequenas notícias da imprensa, ou ainda através da visualização de pequenos filmes, estimular as discussões sobre matérias "potencialmente"filosóficas. O objetivo é ajudar as crianças a raciocinar, a formular e a fazer questões, envolvê-las em debates construtivos e apoiá-las no desenvolvimento de argumentos.
O "material" pode ser tão díspar quanto a leitura de uma história sobre um miúdo que queria manter uma baleia de estimação na sua banheira ou simplesmente lançar-se uma pergunta, em particular no grupo dos mais velhos (entre os 8 e os 10 anos) que tenha o tal potencial filosófico: "por que motivo os tenistas homens recebem maiores patrocínios do que as suas congéneres femininas?", "é legítimo privar alguém da sua liberdade?" ou "se pudesses, mandarias acabar com o livre pensamento?", entre outras inúmeras possibilidades, não esquecendo as mais "óbvias" como "O que é ser humano?", "se tivesses outro nome, serias uma pessoa diferente?", "qual a diferença entre dizer uma mentira ou manter um segredo?", "temos de estar tristes às vezes para podermos estar felizes noutras?", entre uma panóplia alargada de outras tantas.
Os resultados? Não só bons, como inesperados. O mais surpreendente foi o facto de todos os miúdos que participaram nesta iniciação filosófica terem melhorado o seu aproveitamento escolar na matemática e na leitura, tendo em conta que o objetivo inicial nada tinha a ver com melhorias na literacia ou na aritmética. Em média, estes progressos corresponderam ao equivalente a dois meses extra de ensino e foram as crianças provenientes dos agregados mais pobres as que um passo maior deram na sua performance: as suas competências de leitura "avançaram" quatro meses, as de matemática três e as de escrita dois.
Também e no geral, todas as crianças participantes demonstraram uma maior confiança para falar em público, melhoraram as suas competências de saber escutar os outros (pares e professores), demonstraram uma paciência muito mais significativa face aos colegas e apresentaram uma melhoria generalizada na sua autoestima. Novas formas de pensamento e raciocínio lógico, em conjunto com uma melhoria significativa nas suas formas de expressão, ordenação de ideias e capacidade de argumentação foram também claramente atingidas.
Adicionalmente, estes efeitos benéficos da filosofia duraram dois anos, com o grupo intervencionado a continuar a ter melhores resultados muito tempo depois de as aulas terem terminado, daí que a avaliação finaltenha sido apenas publicada em Junho de 2015. O programa foi entretanto adotado por inúmeras escolas em todo Reino Unido, sendo que existem atualmente mais de 3 mil professores formados em P4C e 60 mil crianças a usufruírem deste tipo de experiência. A metodologia utilizada pela SAPERE foi desenvolvida há 35 anos pelo professor norte-americano Matthew Lippman, em New Jersey, e é utilizada, em formatos similares, em mais de 60 países.
No fundo, e no que aos mais novos diz respeito e a não ser que haja um cataclismo que desligue a internet, filosofar será cada vez mais difícil. Os alertas multiplicam-se e não é preciso ser-se tecnofóbico para perceber que não é fácil pensar, imaginar ou questionar quando temos o mundo inteiro literalmente na mão e ao nosso dispor ininterruptamente. Quem imagina um adolescente a trocar likes, tweets, instagrams e similares por uma meia hora de silêncio ou de interiorização? Ou o ciberespaço por um espaço físico para pensar? Ou até um chatpor uma conversa numa mesa de café, expressando, por exemplo, a tristeza que sente sem se limitar a utilizar uma mera "carinha" triste?
Salvo honrosas exceções, a verdade é que cada menos se troca a cuidadosa e morosa gestão do reflexo que se quer partilhar com o mundo, por momentos de autorreflexão. Sabido também é que esta inexistência de espaço e de tempo para se pensar não afeta, como sabemos, só as novas gerações. Em passo mais do que acelerado, tudo o que acontece no mundo é vertiginosamente comentado, opinado, e, é claro, partilhado por cerca de 3,5 mil milhões de pessoas – ou 40% da população mundial que tem acesso à internet. E, destes, um ou dois mil milhões consideram-se, certamente, como filósofos. Se opinam e comentam, logo existem. E assim, para que raio servem os filósofos?
Obsoleta e inútil, a quem interessa a filosofia?
Apesar de, em muitos casos, a filosofia parecer ter sido arrumada numa gaveta poucas vezes aberta, em 2010, oThe New York Times resolveu tirá-la do armário académico onde vivia encafuada e partilhou-a com o resto do mundo: apesar de classificada como uma mera coluna de opinião, o espaço The Stone – definido como um fórum para filósofos contemporâneos e outros pensadores, tem vindo a atrair milhões de leitores interessados em questões tão contemporâneas como intemporais.
Tópicos universais como os mistérios da consciência ou da moralidade, são misturados com questões da atualidade tão díspares quanto a ética na utilização de drones, o controle de armas, as desigualdades de género, a crise dos refugiados, ou seja, com as questões sociais, culturais ou políticas do nosso tempo, naquilo que parece ser uma receita de sucesso que, afinal, até "dá likes" e partilhas.
E foi tão grande o êxito deste "espaço para pensadores" que a coluna semanal deu origem ao livro, publicado em janeiro deste ano, The Stone Reader: Modern Philosophy in 133 Arguments , o qual, de acordo com os seus editores, coloca uma significativa parte do total do discurso da filosofia moderna ao dispor dos leitores. O livro é dividido em quatro grandes secções – Filosofia, Ciência, Religião e Moralidade, e Sociedade e a sua introdução começa da seguinte forma: "O que é um filósofo? E, mais importante do que isso, quem é que realmente se importa com isso?".
Num tom bem-humorado, Peter Capatano, editor do NYTimes e responsável pela edição dos ensaios publicados na The Stone, explica que a primeira pergunta - o que é um filósofo? – foi, exatamente, o tema do ensaio de lançamento da dita coluna em 2010. E qual não foi o seu espanto, e dos ensaístas que para ela iriam contribuir na altura, quando se aperceberam que o artigo tinha sido o mais lido de todos na edição online do jornal nesse dia.
Nesta mesma introdução, Capatano não se esquece de sublinhar a ideia de que a filosofia é considerada como supérflua e obsoleta por um conjunto substancial de pessoas, numa espécie de movimento "anti-intelectuais" que vigora nos quatro cantos do mundo, e muito em particular nos Estados Unidos. Mas rejeita liminarmente a ideia – dando como exemplo o sucesso da coluna em causa – de que a filosofia seja inútil, não tendo medo de responder à segunda questão formulada: "há muita gente que se importa, sem dúvida", escreve. E é esta "muita gente" que poderá ajudar a ressuscitar o valor que a disciplina teve ao longo de grande parte da história da Humanidade.
De Harvard aos "cursos que obrigam a pensar" para CEOs
Essa ressurreição está também a ganhar raízes nos templos do saber da atualidade. Vejamos o exemplo da mais americana das universidades, onde os alunos chegam com planos de carreira bem definidos, na sua maior parte assentes em racionalidades inabaláveis, mas onde uma cadeira denominada Teoria Política e Ética Chinesa Clássica reúne o maior número de alunos inscritos, só suplantada pelas de "Princípios de Economia" e "Introdução às Ciências Computacionais" (aqui tinha mesmo de ser, mas mesmo assim não é nada mau ocupar o 3ª lugar do pódio).
Sim, estamos a falar de Harvard e de como um professor, Michael Puett, foi obrigado a mudar de anfiteatro – para o maior do famoso campus universitário – para poder albergar todos os alunos que, em particular desde 2007 (o 2º ano em que cadeira foi ministrada), procuram resolutamente a sua aula. A disciplina – que tem como base a relevância dos textos clássicos chineses para a atualidade – deu origem ao livro The Path: What Chinese Philosophers Can Teach Us About the Good Life, lançado no passado mês de Abril e já comprado por editoras em 25 países, incluindo a própria China, onde vai ser publicado ainda este ano.
O segredo de Puett parece residir na introdução de ingredientes frescos numa receita antiga. O professor pede aos alunos que leiam os textos originais de Confúcio, como o famoso Analectos, também conhecido como Diálogos de Confúcio ou o Mencius, da autoria do filósofo chinês com o mesmo nome (julga-se) ou ainda o Dao de Jing, comummente traduzido como" O Livro do Caminho e da Virtude" (uma das mais conhecidas e importantes obras da literatura chinesa), confrontando-os depois com questões similares – mas "modernas" – que seguramente devem ter dado cabo da cabeça dos eruditos chineses há vários séculos.
Mas não só. De seguida, Puett sugere aos seus alunos que ponham em prática, nas suas próprias vidas, os ensinamentos apreendidos, sendo que os que predominam são, na verdade, ideias simples que não perdem, de todo, atualidade. De acordo com as palavras do próprio Puett, e numa entrevista que deu, em 2013, à revista The Atlantic, o professor afirma que, face há 20 anos – quando começou a dar aulas – os alunos da atualidade sentem-se "esmagados" por um caminho específico que têm de percorrer no sentido de objetivos de carreira muito concretos, sendo que estes, na maioria das vezes, resultam de imposições externas (seja da pressão dos pais, por exemplo, ou mesmo da sociedade que predetermina que cursos é que "estão a dar").
O que Puett observa é que, cada vez mais, os estudantes orientam todo o seu percurso escolar, e até as suas atividades extracurriculares, de acordo com planos e objetivos de carreira predefinidos e "demasiado" programados. Assim, são muitos os estudantes que juram que ao perceberem que o coração e a mente, maioritariamente separados na visão do mundo ocidental, estão profundamente relacionados entre si e que não podem ser encarados isoladamente – uma das principais "lições" que Puett tenta transmitir nas suas aulas – contribuiu mesmo para mudar as suas vidas, existindo até alguns que – sim, parece loucura, mas é verdade – que trocaram as tais ciências exatas e o que está a dar por cursos em áreas das obsoletas humanidades. Será está a prova da famosa citação que é atribuída a Confúcio e que reza "escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida"?
Harvard não é a única universidade que está a descobrir as delícias da filosofia aplicada a outras áreas do conhecimento. Outras famosas universidades estão a ir pelo mesmo caminho e o mesmo acontece, em particular, com as escolas de negócios. E é aqui que entra, mais uma vez, o fator negócio, mas um que pelo menos ajuda a desenvolver neurónios e a transformar a gestão em mais do que uma obsessão pelos resultados que figuram nos seus relatórios trimestrais. Retomando a história que deu início a este texto, o fundador da empresa de filosofia Strategy of Mind, Ryan Seltzer, assegura que são cada vez mais as empresas que estão a (re)conhecer a prosperidade de outras suas congéneres que estão a apostar em doses similares de "matemática e filosofia". Claro que o ex-consultor poderia estar apenas a vender os seus serviços, mas abundam os exemplos de várias organizações que comprovam a sua teoria (e o seu modelo de negócio).
Damon Horowitz é um dos casos mais clássicos quando se fala destas estranhas decisões em que executivos bem-sucedidos e, muitas vezes, provenientes exatamente de empresas de tecnologia, decidem experimentar os caminhos incertos da filosofia. E a verdade é que o reconhecido empreendedor resolveu abandonar o seu principescamente pago lugar no mundo tecnológico para tirar um doutoramento em filosofia (a sua formação académica anterior incluía uma um mestrado tirado no MIT Media Lab e estudos em ciências da computação em Stanford, onde agora dá aulas de… filosofia).
O atual diretor de engenharia e filósofo in-house (este cargo não é inventado, existe mesmo) da Google proferiu uma interessante talk em Stanford, em 2011, intitulada "Por que motivo deve trocar o seu emprego na área da tecnologia e matricular-se num doutoramento em Humanidades", a qual explora o valor das humanidades – no geral, e da filosofia no particular – num mundo que está continuamente a ser inundado por novas tecnologias. O seu caso está longe de ser único e, em particular, nas grandes empresas em que a tecnologia e a inovação constituem os principais ativos.
O que pode ser facilmente explicado por Fareed Zakaria, um colunista do The Washington Post e autor de In Defense of a Liberal Education. Como escreve, "uma educação alargada ajuda a estimular o pensamento crítico e a criatividade e a exposição a uma variabilidade de áreas produz não só boas sinergias, como uma útil "fertilização cruzada"". Afirmando que tanto a ciência como a tecnologia constituem componentes cruciais no mundo empresarial, o jornalista confere, contudo, exatamente o mesmo valor ao Inglês e à Filosofia, e recorda que num dos inesquecíveis discursos de Steve Jobs, o fundador da empresa da maçã explicava que "está no ADN da Apple o facto de a tecnologia nunca ser suficiente – mas, ao invés, ser o seu casamento com as artes liberais e com as humanidades que produz os resultados que fazem cantar os nossos corações".
No mesmo livro, Zakaria defende ainda que a inovação não é, de todo, uma mera questão técnica, "mas antes a forma de compreender como funcionam as pessoas e a sociedade, o que precisam e o que desejam", algo que, na verdade, esteve também sempre presente na Apple, cujo enorme sucesso em muito se deveu, entre várias outras coisas, à brilhante antecipação dos desejos dos seus clientes.
Mark Zuckerberg é outro exemplo de como a tecnologia precisa, indiscutivelmente, do saber produzido pelas ciências não exatas. O fundador do Facebook foi, também, um estudante clássico das artes liberais e simultaneamente um apaixonado pelos computadores. A antiguidade grega sempre foi um dos seus principais interesses e a psicologia a área que escolheu para se licenciar. E não é preciso ser-se muito inteligentes para perceber o quão ligadas estão as inovações do Facebook ao campo da psicologia. E é o próprio Zuckerberg queafirma que o Facebook "tem tanto de tecnologia como tem de psicologia e sociologia".
Zakaria cita também um outro estudo sobre o futuro do trabalho, desenvolvido por dois académicos de Oxford e que concluiu que para os trabalhadores evitarem a "computorização" dos seus empregos, terão de adquirir, cada vez mais, competências sociais e criativas". Para o autor, o que este exemplo significa verdadeiramente é que, e sem retirar valor às ciências exatas e ao inevitável trabalho com as máquinas (que é, sem dúvida, o futuro do trabalho), as mais valiosas competências serão aquelas "unicamente humanas" ou as que os computadores nunca conseguirão imitar (pelo menos assim se espera).
Mas e de volta à filosofia e ao valor do "tempo para pensar", um artigo publicado na revista The Economist ajuda a melhorar a perspetiva no que a esta necessidade no mundo dos negócios diz respeito. Intitulado Philosopher kings: Business leaders would benefit from studying great writers, defende a criação de "retiros para pensar" em substituição das inúmeras modas a que os CEOs vão aderindo, sempre com o objetivo de melhorar as suas capacidades de gestão e liderança (desde as "provas" em ambientes hostis, aos passeios em plena natureza e já contando com os cursos de mindfulness, que o artigo refere como "bons para relaxar, mas maus porque esvaziam a mente").
No mesmo artigo fica expressa a ideia de que é surpreendente o número de CEOs bem-sucedidos que estudaram filosofia, de que é exemplo Reid Hoffman, um dos fundadores do LinkedIn, que optou também por tirar uma pós-graduação em filosofia em Oxford ou o já falado Horowitz, mas também de como Bill Gates, enquanto geria a Microsoft, tinha por hábito isolar-se uma semana no campo para "meditar sobre um assunto importante" ou de como Jack Welch, enquanto CEO da General Electric, reservava religiosamente uma hora do seu dia para pensar, sem recurso a qualquer tipo de distração.
Adicionalmente, Peter Thiel, um reconhecido investidor de Silicon Valley apostou recentemente também em conferências para as quais são convidados pensadores de renome numa tentativa de "melhorar o mundo" e David Brendel, filósofo e psiquiatra, é um dos "gurus" mais procurados por estes executivos de topo para prestar aconselhamento sobre liderança, para além de escrever assiduamente na Harvard Business Review sobre como a filosofia pode ajudar a se ser não só um melhor gestor, como um melhor líder. Curioso – ou não – é também o facto de Brendel ser igualmente um dos co-fundadores da Strategy of Mind acima mencionada.
Como afirma também o filósofo in-house da Google, "os líderes do pensamento da nossa indústria não são aqueles que subiram, passo a passo, mas de forma monótona, a escada da carreira, mas os que correram riscos e desenvolverem perspetivas únicas".
Ou seja, aqueles que se deram ao trabalho de pensar, questionar e criar.
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terça-feira, 23 de agosto de 2016
A Lei Moral Kantiana
“Ponhamos, por exemplo, a questão seguinte: -
Não posso eu, quando me encontro em apuros, fazer uma promessa com a intenção
de a não cumprir? […] - Ficaria eu satisfeito de ver a minha máxima (de me
tirar de apuros por meio de uma promessa não verdadeira) tomar o valor de lei
universal (tanto para mim como para os outros)? E poderia eu dizer a mim mesmo:
- Toda a gente pode fazer uma promessa mentirosa quando se acha numa
dificuldade de que não pode sair de outra maneira? Em breve reconheço que posso
em verdade querer a mentira, mas que não posso querer uma lei universal de
mentir; pois, segundo uma tal lei, não poderia propriamente haver já promessa
alguma, porque seria inútil afirmar a minha vontade relativamente às minhas
futuras acções a pessoas que não acreditariam na minha afirmação, ou, se
precipitadamente o fizessem, me pagariam na mesma moeda. Por conseguinte a
minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma
necessariamente. Não preciso pois de perspicácia de muito largo alcance para
saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom.
Inexperiente a respeito do curso das coisas do mundo, incapaz de prevenção em
face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim
mesmo: - Podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal?
Se não podes, então deves rejeitá-la, e não por causa de qualquer prejuízo que
dela pudesse resultar para ti ou para os outros, mas porque ela não pode caber
como princípio numa possível legislação universal. […] Assim, no conhecimento
moral da razão humana vulgar, chegámos nós a alcançar o seu princípio,
princípio esse que a razão vulgar em verdade não concebe abstractamente numa
forma geral, mas que mantém sempre realmente diante dos olhos e de que se serve
como padrão dos seus juízos. Seria fácil mostrar aqui como ela, com esta
bússola na mão, sabe perfeitamente distinguir, em todos os casos que se apresentem,
o que é bom e o que é mau […]”
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70 pp. 35-36
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domingo, 21 de agosto de 2016
Utilitarismo
"Um ser com faculdades superiores precisa de mais para ser feliz, é provavelmente capaz de sofrimento mais acentuado, e certamente está a ele exposto com mais frequência, do que um ser de tipo inferior; mas, apesar de todas estas desvantagens, não pode nunca desejar realmente afundar-se no que sente ser um nível inferior de existência. […) É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; um Sócrates insatisfeito do que, um idiota satisfeito. E se o idiota, ou o porco, têm opinião diferente, é porque apenas conhecem o seu lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados."
John Stuart Mill, Utilitarismo, Gradiva, 2005, pp. 53-54.
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quinta-feira, 18 de agosto de 2016
Boa vontade
“Neste mundo e até também fora dele, nada é
possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação a não ser uma
só coisa: uma boa vontade.
Discernimento, argúcia de espírito, capacidade de julgar e como quer que possam
chamar-se os demais talentos do espírito,
ou ainda coragem, decisão, constância de propósito, como qualidades do temperamento, são sem dúvida a muitos respeitos
coisas boas a desejáveis; mas também podem tornar-se extremamente más e
prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais e cuja
constituição particular por isso se chama carácter não for boa. O mesmo
acontece com os dons da fortuna.
Poder, riqueza, honra, mesmo a saúde e todo o bem-estar e contentamento com a
sua sorte, sob o nome de felicidade dão ânimo que muitas vezes por isso mesmo
desanda em soberba, se não existir também a boa vontade que corrija a sua
influência sobre a alma e juntamente todo o princípio de agir e lhe dê
utilidade geral […].
Algumas qualidades são mesmo favoráveis a
esta boa vontade e podem facilitar muito a sua obra, mas não têm todavia nenhum
valor íntimo absoluto, pelo contrário pressupõem ainda e sempre uma boa vontade
[…]. Moderação nas emoções e paixões, autodomínio e calma reflexão são não
somente boas a muitos respeitos, mas parecem constituir até parte do valor
íntimo da pessoa; mas falta ainda muito para as podermos declarar boas sem
reserva (ainda que os antigos as louvassem incondicionalmente). Com efeito, sem
os princípios duma boa vontade, podem elas tornar-se muitíssimo más, e o
sangue-frio dum facínora não só o torna muito mais perigoso como o faz também
imediatamente mais abominável ainda a nossos olhos do que o julgaríamos sem
isso.
A boa vontade não é boa por aquilo que
promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta,
mas tão-somente pelo querer, isto é em si mesma, e, considerada em si mesma,
deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por seu intermédio
possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se se quiser,
da soma de todas as inclinações.”
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes,
Lisboa, Edições 70, 2000, pp. 21-23
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terça-feira, 16 de agosto de 2016
UMA DICOTOMIA ANTIGA: Direita e Esquerda.
“Direita
e esquerda: palavras que fora da política se revestem de significados
substancialmente simples: um lado ou outro do corpo, de uma estrada, de um rio.
Ou, nos derivados – e a simplicidade já se reduz -, remetem para a habilidade
[destreza] ou infortúnio [sinistro]; fortuna ou desventura; justo, recto (right) ou residual, posto de parte,
deixado de lado (left).
«Nas
línguas indo-europeias, nas conotações de sinister,
gauche, linkish e maladroit e, por contraste, nas de right e rectitude, droit e droite,
diritto e Recht, os termos que significam “direita” indicam habilidade,
rectidão, o que é correcto do ponto de vista da moral, das leis e do costume e
os termos para “esquerda” o oposto» [Lukes,
1997, 53]
Na linguagem política
tudo se complica ulteriormente: as palavras da política vêm de longe, ainda que
para muitos observadores (e para muitos políticos um pouco incultos) não se
recue para lá de ontem.
Na realidade, as
palavras «esquerda» / «direita» impuseram-se em toda a Europa e depois em todo
o mundo, através da linguagem quer parlamentar, quer do socialismo, sobretudo a
partir de 1870. Nas arenas parlamentares, os monárquicos e os bonapartistas (em
França) sentavam-se à direita, os republicanos (e depois os socialistas) à
esquerda [Laponce 1981], tomando o nome pela sua colocação nos espaço
parlamentar.
[…] Apesar das
declarações de obsolescência, no Ocidente – pense-se, para dar algum exemplo,
na história dos últimos quinze anos em Itália, em Espanha, em alguns países do
leste europeu e até nos Estados Unidos -, o espaço político continua a
polarizar-se (ou a tornar-se mais rígido?) em torno da direita e da esquerda.
Por vezes, as oposições são muito marcadas, baseando-se em conclamadas
valências simbólicas, e se já não se alimentam das complexas construções
ideológicas oitocentistas e não parecem baseadas na colocação dos sujeitos no
espaço produtivo, não deixam de ser eficazes. Os símbolos ainda são poderosos
factores de legitimação da ordem política, com a sua linguagem antiga e natural,
emotiva e visceral, de fácil apreensão.
Em suma, direita e
esquerda serão, pois, categorias da política moderna, mas de qualquer modo
ainda continuam a ter sentido na política pós-moderna
É importante que nos
interroguemos se isto acontece só para fins propagandísticos, para aumentar a
visibilidade, atrair consensos, mobilizar, ou se os significados comunicados se
traduzem em resultados concretos.”
Franco Cazzola, O que resta da esquerda. Mitos e realidades
das esquerdas no governo. Lisboa, Cavalo de Ferro Editores, 2011, pp. 15-16
e 45-46.
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sábado, 13 de agosto de 2016
A MORAL PROVISÓRIA DE DESCARTES
«Finalmente, assim como
antes de começar a reconstruir a casa que se habita não basta derruba-la, nem
preparar os materiais e arquitectos, nem aprendermos nós próprios a
arquitectura, nem além disso traçar cuidadosamente o seu plano, pois é
necessário também termo-nos prevenido com qualquer outra, onde nos possamos
alojar comodamente enquanto se trabalha nela – assim, a fim de não ficar
irresoluto na minha conduta, enquanto a razão me obrigasse a sê-lo nos meus
juízos, e para não deixar de viver, a partir desse momento, o mais felizmente
possível, formei para mim próprio uma moral provisória, constituída apenas por
três ou quatro máximas, que vos quero expor.
A primeira era obedecer
às leis e aos costumes do meu país, conservando firmemente a religião em que
Deus me deu a graça de ser instruído desde a infância, e conduzindo-me, em tudo
o mais, segundo as opiniões mais moderadas e mais afastadas do exagero, que
fossem geralmente aceites ou praticadas pelos mais sensatos daqueles com quem
teria de viver. Porque, começando desde esse momento a não contar para nada com
as minhas próprias opiniões, pois as queria submeter todas a exame, parecia-me
evidente que o melhor que tinha a fazer era seguir as dos mais sensatos.
[…] A segunda máxima
consistia em ser o mais firme e resoluto que pudesse nas minhas acções, e não
seguir com menor firmeza do que se fossem muito certas as opiniões mais
duvidosas, uma vez que as tivesse escolhido, imitando nisto os viajantes, que,
perdidos em qualquer floresta, não devem errar vagueando para um lado e para o
outro, nem ainda menos parar, mas sim andar sempre o mais a direito possível
numa mesma direcção, e não modifica-la, por fracas razões, ainda que de
princípio só o acaso tenha determinado a sua escolha; porque, dessa maneira,
embora não cheguem exactamente aonde querem, pelo menos chegarão por fim a
qualquer lugar, onde naturalmente estarão melhor que no meio da floresta.
[…] A minha terceira
máxima era procurar sempre antes vencer-me a mim próprio do que vencer a
fortuna e antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo; e, dum modo
geral, habituar-me a crer que só os nossos pensamentos estão inteiramente em
nosso poder, de maneira que depois de ter procedido o melhor possível em relação
às cousas que nos são exteriores, tudo o que impede que sejamos bem sucedidos
é, em relação a nós, absolutamente impossível. E esta simples consideração
bastava para me impedir, daí por diante, de nada desejar que não pudesse
adquirir, e para desse modo me tornar feliz.
[…] Por fim, para
remate dessa moral, resolvi passar em revista as diversas ocupações humanas,
com a intenção de escolher a melhor; e, sem desfazer nas dos outros, pensei que
o melhor que tinha a fazer era continuar com aquela em que de momento me
ocupava, isto é, empregar toda a minha vida a cultivar a razão e a progredir, o
mais que pudesse, no conhecimento da verdade, seguindo o método que me tinha
imposto.»
R. Descartes, Discurso do Método. Terceira parte.
Trad., pref. e notas de Newton de Macedo. Lisboa, Sá da Costa Editora, 1984,
pp. 20-24.
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quinta-feira, 11 de agosto de 2016
Escola do futuro
«Se eu pensasse no futuro, sonharia fundar uma escola onde os jovens pudessem aprender sem se aborrecer e fossem estimulados a colocar problemas e a debatê-los; uma escola na qual ninguém tivesse de ouvir respostas indesejadas a questões não colocadas; uma escola onde não se estudaria só para passar no exame.»
K. Popper, Unended Quest. An Intellectual Autobiography, Routledge, 2002, p. 40.
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terça-feira, 9 de agosto de 2016
Pseudofilosofia
Nicholas Rescher
Tradução de Desidério Murcho
A pseudofilosofia consiste em elucubrações que se apresentam como filosóficas mas que são ineptas, incompetentes, que carecem de seriedade intelectual e que reflectem um compromisso insuficiente com a procura da verdade. Em particular, abrange discussões que usam os instrumentos racionais da reflexão filosófica com outros fins que não a investigação séria — como o favorecimento de interesses relacionados com o poder, a influência ideológica, a pompa literária ou algo desse género. (Sem dúvida que os filósofos em geral têm tendência para fazer esta acusação de insuficiente seriedade intelectual e falta de força persuasiva aos que aderem a escolas de pensamento rivais, que diferem da sua própria posição em questões de princípios fundamentais.)
Tal inaptidão raramente é professada pelos seus próprios praticantes, mas emerge com as objecções dos oponentes. Alguns exemplos centrais são a teoria da inexistência de verdades atribuída pelo Sócrates platónico aos sofistas da antiguidade clássica, a teoria conflituosa da verdade atribuída pelos académicos medievais aos chamados averroístas, o niilismo radical por vezes atribuído aos cépticos renascentistas, e o irracionalismo e relativismo imputado aos existencialistas e pós-modernistas pelos filósofos mais ortodoxos de hoje em dia. Os entusiastas mais radicais do desconstrucionismo inspirado em Derrida constituem uma ilustração vívida — pois não faz sentido tecer elaboradas teias textuais para demonstrar que os textos nunca têm uma construção interpretativa estável. Se os textos são incapazes de transmitir uma mensagem fixa, não faz claramente sentido qualquer diligência no sentido de transmitir esta lição por meio de textos.
O rótulo “pseudo” é particularmente adequado para aplicar aos que usam os recursos da razão para substanciar a afirmação de que a racionalidade é inalcançável em questões de investigação — pois a sua prática trai claramente a sua doutrina. Sobre o que não se pode tratar com força persuasiva filosófica, os filósofos têm de se manter em silêncio.
Nicholas Rescher
Texto retirado de Oxford Companion to Philosophy, org. por Ted Honderich (OUP, 1995, pp. 725-726)
Bibliografia
- Avner Cohen e Marcelo Dascal (orgs.), The Institution of Philosophy: A Discipline in Crisis (La Salle, Ill., 1989)
- Hugh J. Silverman e Gary E. Aylesworth (orgs.), The Textual Sublime: Deconstruction and its Differences (Albany, NY, 1990)
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