segunda-feira, 13 de junho de 2016

As Vantagens do Pessimismo.

«     A princípio, conta-nos o velho mito, os únicos mortais da Terra eram homens, a quem Prometeu trouxe fogo, desobedecendo a Zeus. Por vingança, Zeus ordenou a criação da primeira mulher, que foi dada em casamento ao irmão de Prometeu. O nome dela era Pandora - a que dá tudo. E como prenda de casamento Zeus deu-lhe uma caixa, instruindo-a para nunca a abrir. Cedendo finalmente à sua curiosidade, ela abriu a caixa, libertando no mundo morte, doença, desespero, maldade, velhice, ódio, violência, guerra e todos os outros males que conhecemos. Pandora fechou imediatamente a caixa, e ficou lá dentro uma prenda - a prenda da esperança: o único remédio, mas também o flagelo final.

     A minha preocupação, em primeiro lugar, é com certas falácias que parecem justificar a esperança, ou pelo menos tornar o desapontamento suportável. Os meus exemplos vêm de muitas áreas, mas partilham uma característica comum, que é mostrarem, no cerne da visão inescrupulosa do optimista, um erro tão ofuscantemente óbvio que só uma pessoa controlada pela auto-ilusão poderia ignorá-lo. É contra essa auto-ilusão que se dirige o pessimismo. Um estudo dos usos do pessimismo revelará uma característica muito interessante da natureza humana, que é a de erros óbvios  serem os mais difíceis de rectificar. Podem envolver erros de raciocínio; mas a sua causa é mais profunda  do que a razão, em necessidades emocionais que se defenderão com todas as armas para afirmar o conforto  das suas ilusões facilmente conquistadas, em vez de abrir mão dele. Um dos meus propósitos é acompanhar essas necessidades emocionais até à sua origem pré-histórica e mostrar que a civilização é sempre ameaçada de baixo por padrões de crença e de emoção que outrora podem ter sido úteis para outras espécies mas já não o são. » 

Roger Scruton, As Vantagens do Pessimismo e o perigo da falsa esperança. Tradução José António Freitas e Silva. Lisboa, Quetzal Editores, 2011, pp. 9-10

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