quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O FILÓSOFO E A FILOSOFIA

Começo por colocar uma questão, à boa maneira filosófica: o que torna alguém filósofo? Numa das minha navegações pela Internet alguém, dirigindo-se a mim disse: “outra coisa não seria de esperar de um filósofo”. Mas será que poderei considerar-me filósofo?

A questão não é nova. Platão, filósofo grego do século IV a.C. disse que devíamos dedicar-nos à filosofia a partir dos 30 anos de idade. Bom, deste ponto de vista, estou dentro dos parâmetros, mais que não seja devido ao meu percurso universitário na Filosofia. Mas basta um curso universitário para alguém ser considerado?

Em 1984, na Lição Inaugural do Curso de Filosofia que se iniciava, o Professor Barata-Moura começou a lição com algo deste estilo: se um licenciado em Sociologia é sociólogo, em Economia é economista e assim pior diante, porque razão é que os licenciados em Filosofia não são filósofos? A pergunta caiu que nem uma bomba nos cerca de 100 aspirantes a filósofos que assistiam.

Como sabemos através da História, a relação do Filósofo com a Polis nunca foi pacífica. Veja-se o exemplo da Grécia Clássica onde a Filosofia nasceu. Actualmente, em Portugal, alguns começam a dar timidamente os primeiros passos na afirmação de ser Filósofos. É o caso de José Gil e Desidério Murcho.

As razões para que alguém não se afirme como filósofo estarão no próprio objecto da Filosofia enquanto saber, mesmo a sistemática. Ora, quando se trata de definir Filosofia, excepto pela etimologia, não há acordo. Por isso, deixo aqui uma definição de Filosofia proposta pelo Filósofo José Barata-Moura, com a qual não posso deixar de me identificar.

“A filosofia é isto mesmo. Esta procura incessante de inteligibilidade, de compreensão, para aquilo que, no fundo, são os problemas variados do nosso viver concreto. Não apenas pela curiosidade de investigar, não apenas pela vaidade ou satisfação de saber, mas, sobretudo, pela necessidade estrutural de agir e transformar.

Atitude teórica, a filosofia dá-se, no entanto, sempre dentro de um conjunto prático fundamental – o da realidade objectiva –, onde cada pensador é inelutavelmente chamado a tomar posição, a ter posição. Situação ingrata ou difícil, lamentarão, porventura, alguns. Situação humana, por excelência, recordarão outros. No conjunto complexo de relações sociais em que o nosso viver consiste não há lugar para a neutralidade que muitos reclamam só para poderem mascarar, durante mais alguns instantes, a sua hipocrisia, ou a sua incapacidade de assunção das opções reais que praticam.

Trata-se, sem dúvida, de um caminho árduo, este o da filosofia. Porém, bem vistas as coisas, não é mais árduo do que a tarefa do viver que diante de cada um de nós se abre quotidianamente exigindo resposta e responsabilidade” [Totalidade e Contradição. Acerca da Dialéctica (1977), Lisboa, Livros Horizonte, p. 194].

Feita a citação, a pergunta persiste. E, por isso, talvez seja avisado ter presente a citação de H. Glokner colocada em epígrafe pelo Professor Carmo Ferreira na sua tese de Doutoramento Hegel em Jena. A razão da liberdade ou a Justificação da Filosofia, Lisboa, 1981: “Der Philosoph ist kein Prister, kein Dichter, kein Prophet. Er ist vielleicht Professor”. Assim sou eu: professor de filosofia.

2 comentários:

Elenáro disse...

“Der Philosoph ist kein Prister, kein Dichter, kein Prophet. Er ist vielleicht Professor”


E será que a filosofia ensina-se? Ou será que se ensina apenas a história dela e a "filosofia" constrói-se por cada um de nós?

Será que a frase está mesmo correcta?

Penso que estou a cair na pergunta que colocou: "o que torna alguém filósofo".

Gostei do post, José!

José Moreira Tavares disse...

Pois é. A Filosofia tem destas coisas. Platão queria fazer do filósofo um rei. Mas falhou. Provavelmente haverá incompatibilidade entre a visão filosófica e a própria realidade, ou vice-versa.