segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A UTILIDADE DO VOTO ÚTIL

"Porque não serve para nada, a filosofia não está ainda caduca"
T.W.ADORNO

1. Em tempo de eleições votamos. São inúmeras as solicitações para que se vote, até porque o fantasma da abstenção paira sobre o sistema político-partidário como prisão perpétua sobre a cabeça do condenado. Inclusive, chegámos ao ridículo de se formarem movimentos ao torno do voto nulo ou em branco. E, contudo, a abstenção continua a manter-se em níveis altos e a ser ela própria o leitmotiv dos apelos ao voto.

2. Perante este cenário, e querendo dar uma dimensão de utilidade ao acto de votar, talvez com o pressuposto de motivar cada um a faze-lo, fala-se cada vez com mais insistência na utilidade do voto. Alguns, aproveitando a onda, tentam passar a mensagem do voto útil. Mas talvez seja necessário reflectir, nem que seja um pouco, acerca do que se entende por utilidade, para compreender melhor o que se pretende com o voto útil.

3. Será lícito colocar a utilidade associada ao voto? E assim sendo que razões temos para admitir que o voto é útil? Mais: sendo tão útil como alguns pretendem fazer crer, porque razão há tantos “cidadãos” a não querer essa utilidade? Estas perguntas até poderiam ser mais uma tentativa retórica e sofística de apelo a não votar. Mas os que não querem votar já têm tantas justificações, que a da utilidade lhes passa ao lado.

4. Do ponto de vista da utilidade, o voto seria tão útil como o são as condições biológicas e homeostáticas subjacentes à nossa sobrevivência. Ora ninguém, no seu perfeito e são entendimento, nega a utilidade dessa homeostasia. Contudo, ao contrário do voto útil, essa utilidade primordial coloca-nos ao nível da animalidade. E que eu saiba, os animais não votam. Portanto, teremos de questionar o tipo de utilidade que está subjacente ao voto. Se é que podemos falar de utilidade.

5. Darei um exemplo ao gosto do homem comum e, para evitar ser acusado de falar com palavras caras e filosofias baratas, será compreensível por todos. Quem, professor ou aluno, já não teve a experiência de estar a ensinar/aprender conteúdos inúteis? Não será preciso grande exercício argumentativo para entender que certos conteúdos são considerados inúteis. Mas quando indagamos acerca da utilidade, cada um terá os seus critérios. Numa sessão de pedagogia, um aluno disse claramente que não gostava da escola, preferia dormir e jogar playstation. Não será isso mais útil para ele?

6. Considero um risco utilizar a utilidade aplicada a acções humanas. Além disso, da utilidade cada um terá a sua própria noção, facto que nos remete para atitudes egoístas, opinativas e particulares, incompatíveis com a acção subjacente ao voto. Acresce a isto um outro problema, este mais complexo. Por quê o apelo ao voto útil? Caso queiramos reduzir as eleições ao voto útil, então sigamos o “pragmatismo ideológico” de dois partidos, aparentemente divididos numa ideologia light e facilmente digerível pelo eleitorado.

7. Subjacente ao voto útil, está uma perspectiva dualista e binária, que pretende banir a ideologia e o partidarismo ideologicamente comprometido como coisa do passado, sem sentido, face à falsa “ideologia da utilidade”. Até porque, sendo assim, todos os partidos se consideram úteis, e não haverá qualquer diferenciação.

8. Deixemo-nos, pois, da falsa ideologia da utilidade, que apenas serve para perpetuar dualismos que conduzem cada vez mais à descrença, e apelemos ao voto como dever de todos e cada um: o voto como acto livre e intencional do agente, que escolhe de forma livre e, portanto, responsável. E já agora, ideologicamente comprometido. Mesmo engolindo sapos.

9. O que foi dito do voto aplica-se também ao protesto útil. Falo daqueles demagogos e oportunistas, sempre prontos a apontar o “caminho” e a “solução”, sabendo que nunca serão chamados a responder ou responsabilizar-se pelos seus projectos. Daqueles que gostam de agitar as bandeiras do momento, mas com sabor a fel, para melhor fazer passar a mensagem do “depois não digam que não avisamos”. Alternativa sim, mas com responsabilidade.

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