“Ponhamos, por exemplo, a questão seguinte: -
Não posso eu, quando me encontro em apuros, fazer uma promessa com a intenção
de a não cumprir? […] - Ficaria eu satisfeito de ver a minha máxima (de me
tirar de apuros por meio de uma promessa não verdadeira) tomar o valor de lei
universal (tanto para mim como para os outros)? E poderia eu dizer a mim mesmo:
- Toda a gente pode fazer uma promessa mentirosa quando se acha numa
dificuldade de que não pode sair de outra maneira? Em breve reconheço que posso
em verdade querer a mentira, mas que não posso querer uma lei universal de
mentir; pois, segundo uma tal lei, não poderia propriamente haver já promessa
alguma, porque seria inútil afirmar a minha vontade relativamente às minhas
futuras acções a pessoas que não acreditariam na minha afirmação, ou, se
precipitadamente o fizessem, me pagariam na mesma moeda. Por conseguinte a
minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma
necessariamente. Não preciso pois de perspicácia de muito largo alcance para
saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom.
Inexperiente a respeito do curso das coisas do mundo, incapaz de prevenção em
face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim
mesmo: - Podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal?
Se não podes, então deves rejeitá-la, e não por causa de qualquer prejuízo que
dela pudesse resultar para ti ou para os outros, mas porque ela não pode caber
como princípio numa possível legislação universal. […] Assim, no conhecimento
moral da razão humana vulgar, chegámos nós a alcançar o seu princípio,
princípio esse que a razão vulgar em verdade não concebe abstractamente numa
forma geral, mas que mantém sempre realmente diante dos olhos e de que se serve
como padrão dos seus juízos. Seria fácil mostrar aqui como ela, com esta
bússola na mão, sabe perfeitamente distinguir, em todos os casos que se apresentem,
o que é bom e o que é mau […]”
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70 pp. 35-36
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