sábado, 23 de agosto de 2008

ARGUMENTAÇÃO

Afinal por que é necessário argumentar? Será porque existe uma crise de valores que nos empurra para o niilismo? Talvez uma crise de autoridade? Não, seguramente não pode ser por uma crise de autoridade porque, se assim fosse, isto é, caso houvesse uma autoridade à qual recorrer, não seria necessário argumentar: a autoridade, entenda-se por isso o que se quiser, mesmo com o argumento ad verecundiam, seria justamente o contrário da argumentação. Também podemos dizer que é necessário argumentar para não cair no cepticismo que sempre acompanha as épocas de crise.

Ora, estando a nossa época em crise, pelo menos a julgar pelo que se ouve, então é necessário argumentar, sempre. O que seria de nós se ficássemos atolados pelo cepticismo, agora que já não temos um Descartes para resolver, com a sua dúvida hiperbólica e o seu cogito, os novos cepticismos que pairam sobra nós como se de uma nuvem negra se tratasse. Logo nós, que até vivemos num país tão soalheiro, não obstante o fado que teima em permanecer.

De repente dou por mim a pensar que o problema da argumentação está ligado à Democracia, agora como na antiguidade clássica. Sim, porque no tempo da Grécia antiga o problema já se colocava, como bem viram os sofistas com a sua arete politike. Com a invenção da Democracia surgiu a necessidade de fazer valer os diversos pontos de vista em debate; enfim, numa palavra, argumentar para fazer valer o seu ponto de vista. É que, bem vistas as coisas, só é possível argumentar em Democracia. Mas agora com uma nova retórica, como nos ensina Perelman.

Imagine-se chegar ao junto de um monarca absoluto e questionar as suas ordens? Bom, também não é preciso ir tão longe. Afinal, é necessário autoridade e, já diz o povo, o respeito é muito bonito. E mais uma vez estamos perante o problema de autoridade. Mas será que a argumentação é incompatível com a autoridade? A julgar pelo exemplo da História, começou-se a argumentar em Democracia. E isso parece ser um dado adquirido, mesmo na actualidade. Os inúmeros casos em que os dissidentes políticos são presos ou perseguidos quando tentam argumentar contra o poder instalado, são disso a prova.

Nas sociedades democráticas actuais o processo argumentativo tornou-se essencial. Veja-se os casos dos referendos, como o referendo ao aborto, por exemplo. Como sói dizer-se, é uma situação fracturante, pois divide a população em duas, uns a favor e outros contra. E é preciso muita argumentação para levar de vencida qualquer uma das perspectivas em debate. Tal não seria possível se não vivêssemos em Democracia. Mas será que basta viver em liberdade para poder argumentar?

Considero que a necessidade de argumentar vai bem mais fundo, e toca num problema que afecta muito as sociedades actuais, muito virados para o consumo imediato, sem atitude crítica, aceitando sem pestanejar qualquer autoridade na matéria, desde que bem falante e apareça nos meios de comunicação social. Como dizia um pensador do século XVIII chamado Kant, é preciso ter a coragem de pensar por si próprio (Sapere aude!).

Em resumo, e voltando à pergunta inicial, é necessário argumentar para evitar ter uma atitude passiva, que tudo aceita sem nada questionar. E não é preciso ter medo de eventuais cepticismos ou outras crises que tais. Além disso, argumentar é motivo de coesão, pois aproxima as pessoas que, deste modo, devem sair do seu individualismo e dos seus monólogos, para assumir posições comuns e partilhadas. Enfim, tomar uma atitude dialéctica e intersubjectiva tendo como referência o todo da comunidade.

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