segunda-feira, 3 de agosto de 2009

ANCORAGEM

Caso se pretenda saber o significado desta ou de outra palavra é comum e, dir-se-ia, de bom senso, consultar um Dicionário para procurar a respectiva definição, de preferência fidedigna, para que não restem quaisquer dúvidas a esse respeito. De acordo com José Pedro Machado, Director da “Sociedade da Língua Portuguesa” e membro das comissões do Vocabulário e do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: Ancoragem, s. f. (de ancorar) Acto de ancorar. Taxa que paga um navio para poder fundear num porto. Para o comum bom senso nada mais óbvio e problema resolvido. Mas os problemas só agora começaram.

Se analisarmos deste mesmo especialista e no mesmo Dicionário, mas agora no Tomo de Actualização que acompanha o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, encontramos uma nova definição de ancoragem, já não como termo de actividades náuticas, mas sim de ciências médicas, a saber: cirurgia: fixação cirúrgica de uma víscera deslocada; odontologia: ponto de fixação de uma coroa ou ponte artificial. Porquê esta diversidade de significados? Como refere o supracitado especialista, aliás, no mais puro espírito científico e anti dogmático: “ [o Dicionário] ficará algo mais actualizado, mas, saliente-se, não ficará completo. Mas há algum dicionário completo?”.

Repare-se que a definição que procuramos no dicionário nos remete para uma perspectiva lexicográfica com informações de natureza ortográfica. Contudo, a palavra em causa pode ser também analisada pela semiótica, esta considerada uma metalinguagem com as suas três dimensões: sintaxe, semântica e pragmática. A semiótica, que é a ciência dos signos, tem actualmente grande importância, não só para o aparelho lógico e conceptual da ciência, mas também para os sistemas de comunicação no seio das comunidades humanas, e teorias relativas aos modos de significar.

O principal objectivo de alguns lógicos e matemáticos contemporâneos, por exemplo Bertrand Russell, foi o de construírem uma linguagem ideal que eliminasse os equívocos, as limitações e contradições da linguagem corrente. Claro que não se pretende fazer aqui um estudo semiótico, uma linguagem de signos unívocos e não equívocos, mas tão só dar uma pálida imagem da complexidade do problema da linguagem em geral, e dos problemas inerentes à linguagem científica em particular, tendo presente a dimensão social do conhecimento própria da linguagem comum. Voltemos, pois, à ancoragem, agora numa outra perspectiva: a representação social.

As representações sociais têm na base dois processos: a objectivação e a ancoragem. O primeiro corresponde à forma como se organizam os elementos da representação e o percurso que efectuam até chegarem a exprimir uma realidade pensada que é tida como natural. Quanto à ancoragem, será o processo cognitivo relacionado com a objectivação, cuja ocorrência tem dois momentos: 1) processo que antecede a objectivação, tornando familiar o que ainda não é; 2) processo subsequente à objectivação tendo por função a organização social. É assim que o H5N1 (objectivação) ganha uma dimensão social passando a “Gripe das Aves” (ancoragem). Faça o seu teste com o H1N1.

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