quinta-feira, 27 de agosto de 2009

JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Nota. O texto apresentado é parte integrante da minha Tese de Mestrado: Jean-Jacques Rousseau. Soberania e Liberdade ou acerca da liberdade individual em comunidade. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2000.

Soberania e liberdade são dois conceitos fundamentais no pensamento de Rousseau, mas sugerem um mais vasto enquadramento. O horizonte filosófico em torno do qual se polariza a argumentação é o pensamento político de Rousseau no quadro das relações entre soberania e liberdade, tendo como pressuposto a suprema direcção da vontade geral. Ora, sendo a noção de vontade geral um vector temático essencial no pensamento político de Rousseau, não podemos deixar de notar que tal deriva de um outro vector temático igualmente importante: o da liberdade individual em comunidade. Esta insistência na liberdade como base da vida política, leva-o a criticar as “teorias do direito natural” e a afirmar que “todo o governo legítimo é republicano”.

Rousseau propõe-se fundamentar a condição do homem que o levará para a sociedade civil, mas sempre com uma única finalidade: conquistar a sua liberdade, a maior de entre as tarefas do homem. Na sequência do problema fundamental ao qual o contrato social dá solução, podemos dizer que a passagem do estado de natureza para o estado civil se faz pela entrega de cada um à vontade geral, dando-se assim a perfeita integração do indivíduo no todo. Deste modo, ainda que o indivíduo prossiga com a responsabilidade de alcançar a liberdade na sua vida pessoal, já não o pode levar a cabo isolado dos demais.

O problema específico da ordem política implica, portanto, o estabelecimento de condições que permitam a todos os membros da sociedade participar em situação de igualdade numa associação civil baseada no princípio da liberdade. Ora, segundo Rousseau, as relações empíricas entre homens são sempre arbitrárias, conduzindo quase sempre a uma situação de desigualdade em favor do mais rico e do mais forte. Por isso, o que se pretende é pôr fim a esta dependência, submetendo os homens à lei, expressão da vontade geral. A natureza absoluta, indivisível e inalienável da soberania permite justamente alcançar esta dependência interpessoal, uma dependência das coisas, que evita a subjugação das pessoas, pois situa a soberania em todos os membros da comunidade: é a soberania do povo.

As condições são iguais para todos, porque todos as aceitam livremente. Além disso, obedecendo a esta autoridade comum, os cidadãos obedecem a si próprios porque não existe outra legitimidade. Assim sendo, porque a soberania não se pode conceber sem uma genuína igualdade nos direitos e obrigações, torna-se a garantia da liberdade, a qual não se concebe sem perfectibilidade, razão pela qual afirmamos que há no pensamento político de Rousseau uma dialéctica da perfectibilidade, que dá ao movimento dos contrários uma nova projecção, a qual está na base do processo entre uma liberdade individual, como ponto de partida, e uma vontade geral, ponto de chegada. Em nosso entender, o pensamento político de Rousseau representa a possibilidade de se realizar a aventura da unidade dentro da diversidade, mostrando uma coerência entre as instituições e a sociedade, entre o homem e o cidadão.

Fazendo uso da ideia de direitos em teoria política, Rousseau insiste na igualdade absoluta do direito entre todos os indivíduos, o que equivale a dizer que recusa quaisquer “sociedades particulares” que diminuam tal igualdade. Rousseau propõe uma liberdade igualitária e consequente soberania popular. Esta liberdade exprime, por oposição a uma liberdade exclusivamente “civil”, proposta pelos pensadores liberais, uma instância universal baseada no reconhecimento social. O igualitarismo antinivelador do pai da democracia moderna não é, portanto, simples igualdade “jurídica”, nem o seu pensamento simples apêndice à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão saída da Revolução francesa. Ele é, para utilizar a expressão de Galvano Della Volpe, uma “síntese proporcional de igualdades”.

Tal implica que a solução do problema de uma efectiva igualdade universal passa por exigir a aplicação, também ela universal, de um critério baseado nos méritos pessoais, fundado no reconhecimento social dessas mesmas desigualdades. Daqui resultam um reconhecimento social mas também uma concepção democrática das relações políticas. Portanto, entendemos que o problema da liberdade não deve ser separado da igualdade, aspecto que nos remete para a liberdade igualitária. Esta liberdade, sendo política, deverá ser entendida numa perspectiva social e democrática, resultando daqui o princípio da soberania do povo, na qual, segundo Rousseau, os súbditos e os soberanos são os mesmos homens considerados sob diferentes relações. Resulta também deste enquadramento que a igualdade torna-se a base do sistema e a verdadeira garantia dos direitos de cada um: a igualdade gera a unidade e esta a liberdade; só há liberdade na unidade, a liberdade individual em comunidade.

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